sábado, 31 de julho de 2010

Relatório sobre a residência de Ricky Seabra no Colaboratório 2010

A residência com Ricky chegou completamente impregnada das questões que todos os colaboradores haviam vivenciado em Teresina. O que foi bom por um lado porque nos re-conectou ao grupo, mas um tanto conturbada por outro. Explico a conturbação. Tudo bem que somos bailarinos, mas senti quase que uma ‘obrigação’ com o fato de ‘ter que’ dançar por que sou das artes cênicas (‘Dança’ agora segundo câmaras setoriais de cultura para não ‘generalizar’). Essa foi uma questão que se mostrou polêmica e urgente na residência em Teresina.Meu ponto de vista e desejo é estar aberto aos hibridismos de linguagem, e definitivamente esta característica está presente nos meus modestos trabalhos. A dança pode acontecer por outros meios. Adorei a conversa sobre a dança cabeção, ela definitivamente tem que vir mais à tona. Sou amante dos livros tanto quanto da dança e acredito verdadeiramente que uma coisa não exclui a outra, devemos parar de ser dicotômicos...‘concluímos’ que com certeza há uma ditadura por aí...houve uma doutrinação poderosa que comanda o mercado cultural da dança contemporânea no Brasil. Exercitar a permeabilidade entre os ‘grupos’ de trabalho foi uma experiência feliz...por um lado...nem tanto por outro. Feliz pela possibilidade de vivenciarmos a ‘matéria’ de pesquisa do outro, interagindo e mesmo estudando possibilidades do ‘por vir’ na cena todos juntos. Não tão feliz porque causou uma confusão entre expectativas, desejos, catarses, vontades.... que de certa forma remeteu à confusão em Luís Corrêa, à qual foi totalmente justa e coerente naquela etapa de trabalho.A insistência para que conhecêssemos uns aos outros me traz muitas questões, como por exemplo: Até onde devemos saber das catarses do outro? Ou melhor: Até onde devo me envolver nas catarses do outro para que o trabalho caminhe? Processos criativos nunca são fáceis.Todos os dias estamos nos avaliando e vendo nossas capacidades e incapacidades. Acredito que talvez o grande foco do Colaboratório seja essa experiência de ‘viver junto’, não tanto quanto ‘produzir’ algo junto.’Eu conheço a Beyoncé, minha filha também, etc. Ela não representa para mim nenhuma fonte de estímulo criativa. Por que é dada tanta pauta à ela?? ‘A noviça rebelde’ é uma obra linda também, porém não estava afinada aos projetos que estavam ‘nascendo’ no Colaboratório...Faltou uma certa escuta do Ricky às necessidades do grupo e senti que estávamos todos perdidos - opinião completamente particular. Com certeza isso tinha muito haver com o trabalho do Ricky, pelo qual fiquei encantada pela beleza e astúcia estética.Outro fato eu se evidenciou para mim foi que a estrutura não só de trabalho, mas de bem estar na vida influencia poderosamente o rendimento e o estímulo para prosseguir com os projetos. O que me fez pensar muito na minha condição de artista do ‘mundo subdesenvolvido’. Há quanto devo submeter meu bem estar? Quanto vale a minha arte, o meu tempo e meu suor? É tão crucial assim para minha carreira estar na vitrine de um grande Festival? Quantas maneiras há para se atingir esse objetivo? Quanto estes fatores influenciam na minha disponibilidade real para o trabalho? No meu caso, descobri que é muito.A apresentação final foi um balde de água fria, nos expôs frente ao diretor belga (nosso único espectador) que parecia ‘exigir’ um espetáculo. Ele levantou questões muito coerentes, aliás muito obrigada por isso; porém estas questões deveriam ter sido talvez levantadas pelo Ricky durante a residência.Fiquei com outra interrogação muito grande: Será que necessariamente um bom, ótimo artista está pronto, ou tem o dom, ou sei lá o que ... é o melhor indicado para coordenar um ateliê de ‘condução’, ‘provocação’ de processos criativos? Que lugar é esse de quem irá ‘ajudar’ o outro a compreender seus processos, ou mesmo a enxergar a sua própria obra? Essa pergunta me instiga muito, pois sou particularmente interessada em processos criativos e de pesquisa no campo das artes (tema do meu mestrado-ainda não oficializado); e quando envolve ‘colaboração’, depois de viver essa experiência por 08 anos dentro de uma companhia oficial, vejo que é mais complexo ainda o desafio.

Belo Horizonte, 30 de julho de 2010.

Cris Oliveira

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Cris Oliveira

Cris Oliveira tem formação no ballet clássico, dança contemporânea. É graduada em Artes Cênicas, pós-graduada em Gestão Cultural e possui formação na área de pesquisa e composição coreográfica pelo programa ‘Transforme – Perceptions’ (2009-2010) em estudos realizados na Fondation Royaumont - Paris. Foi integrante da Cia. de Dança Palácio das Artes (2001-2009), onde atuou em obras de vários coreógrafos e como criadora-intérprete a partir do método BPI (Bailarino-pesquisador-intérprete), criado por Graziela Rodrigues. Em 2005 recebeu o prêmio SIMPARC de melhor bailarina de Minas Gerais, por sua atuação em “Coreografia de Cordel”. Desde 2006 desenvolve trabalhos independentes e em parceria com outros profissionais, assumindo uma prática interdisciplinar no campo das artes, apresentando suas obras em diversas regiões do Brasil e no exterior.

Participou das residências Colaboratório (2010) no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro; “Interferencias” México (2010), ZAT 8 – ‘Hallucinatory body’, com Lynda Gaudreau, no Fid 2011 e Interferencias (2121) – Impulstanz Festival, Viena (Áustria).

Realizou curadoria parcial para o evento ‘1,2 na dança’– edição 2011, na indicação de solos de artistas internacionais. Publicou o artigo: Tecnologia da pele – arte, experimentação, interdisciplinaridade e a dança (Revista Prosa!-março/2012). É representante do projeto Interferências no Brasil para a Edição do encontro no país para 2013 e colaboradora do Interferencia’s book, apresentado no Impulstanz Viena (Áustria), Devir CAPA (Portugal) e Centro de las artes de San Luís Potosí (México).

Estudou com: Ana Mondini, Cizco Aznar (Suíça/Espanha), Holly Cavrell (EUA), Foofwa d’Imobilité (Studio 44, Genéve), Julie Bougard (menagèrie de verre – Paris), Damien Jalet ( La Rafinerie - Bruxelas), Krosro Adib (Irã/Bélgica), Jean Marie Huppert-Eutonia, Richard Shuterman (EUA) – método Feldenkrais,; Maria Thaís (máscara neutra); Fernando Liñares (Teatro Antropológico); Fernanda Lippi (Teatro Físico), Luiz Abreu (Dramaturgia e Direção); Dominique Brun (Esforço/forma em Laban); Claire Roussier (pensar o solo) e Myriam Gourfink(yôga). Atualmente programadora de dança no Sesc Palladium, Belo Horizonte/MG.

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