sexta-feira, 19 de março de 2010

Instalação 03 - Um solo é o centro de um círculo. Un solo est le centre d'un cercle.


Foto-photo: Annie Rodier
Instalação 03 do projeto "O leito por detras do Rio, destilar a pele" - Le lit au delà de la rivière, distiller la peau.
Um solo é o centro de um círculo.
O limite, o ponto confinado em sua membrana que determina o espaço de movimento. A matéria para a composição é o direcionamento do fluxo gerado por impulsos internos.
"O ponto geométrico é um ser invisível. Do ponto de vista material o ponto é igual a zero. Este ponto evoca a concisão absoluta, isto é, a maior reserva que no entanto fala. Ele pertence à linguagem e significa silêncio (...) Na fluidez da linguagem, o ponto é o símbolo da interrupção do Não-ser (elemento negativo) e, ao mesmo tempo, é a ponte entre um ser e outro (elemento positivo). (...) O interior é murado pelo exterior. O ponto faz parte do domínio dos hábitos que são arraigados em nós com sua ressonância tradicional, que é muda.
Choque: muitas vezes um abalo excepcional pode arrancar-nos dessa letargia e restituir-nos uma sensibilidade viva. (...) Os choques externos (doença, infelicidade, tristeza, guerra, revolução) arrancam-nos à força por um tempo mais ou menos longo do círculo dos hábitos tradicionais, mas eles são sentidos, em geral, como uma 'injustiça' mais ou manos grave. Então o desejo predominante de reencontrar o mais depressa possível o estado perdido dos hábitos tradicionais prevalece sobre qualquer outro sentimento. (...) O olho aberto e o ouvido atento transformam as mais ínfimas sensações em acontecimentos importantes. De todas as partes afluem vozes e o mundo canta. (...) os signos mortos se tornam vivos e o que estava morto revive.
Isolamento: Isolando-se pouco a pouco o ponto do círculo restrito de sua ação habitual, suas características internas, até então mudas, desprendem uma ressonância crescente. Suas características - tensões internas - desprendem-se uma a uma das profundezas de seu ser e suas forças irradiam-se. Seus efeitos e influências superam os refreamentos humanos.
Maior libertação: O aumento do espaço livre e das dimensões do ponto diminui a ressonância da escrita, e o som do ponto ganha em clareza e força.
Ser autonômo: O ponto, arrancado assim de sua posição habitual, agora toma o impulso para dar o salto de um mundo a outro, libertando-se de sua submissão e do prático utilitário (...) Evolui para a necessidade interior. (Wassily Kandinsky- "Ponto e linha sobre o plano"- Fragmentos retirados das páginas 15-20).
"O ponto, tem som e tensão". De fato, o ponto se encontra fechado em si mesmo, e não tem qualquer tendência a se abrir ou a se deslocar em qualquer direção. Não avança nem retrocede. O ponto firma-se em seu lugar e se instala sobre uma superfície. Representa a afirmação interna permanente. Afirmação breve, concisa firme e rápida. (...) O ponto é um ente vertido sobre si e pleno de probabilidades (...) Na arquitetura e na escultura, o ponto resulta da intersecção de vários planos: é o fim do ângulo no espaço e, ao mesmo tempo, o centro de origem destes planos. (ibidem) (...) Como o ponto se transforma em linha: Do interior do ponto se originam diversas forças e tensões; mas existem outras forças que não vêm de dentro (como a vontade do artista, por exemplo) se lança sobre o ponto, que está preso a um plano, e então ele se vê arrancado de seu poder concêntrico, de seu silêncio, e se vê também deslocado para certa direção (...) É aí que surge a linha...o traço que o ponto deixa ao se mover."(Marta Povo - "Arte e energia" pág. 115).
O átomo (molécula) errante que rompe a membrana do limite e dispersa-se pelo espaço, e além disso, é levado pela corrente, destacado na citação: "O movimento fundamental das moléculas de água é caótico (segundo a teoria atômica de Eisntein) (...) As moléculas de água voam para lá e para cá, seguindo uma linha reta até serem defletidas por um encontro com uma de suas irmãs. (...) Esse tipo de trajeto- no qual a direção se altera aleatoriamente em diversos pontos - muitas vezes é chamado de 'andar do bêbado'. O movimento aleatório de moléculas num fluído pode ser visto como uma metáfora para nossos próprios caminhos pela vida."(Leonard Mlodinow - "O andar do bêbado", como o acaso determina nossa vidas, pág. 177).
Do ponto de vista, podemos dizer 'psíquico', foi ponto de partida para o processo criativo o conto: "Os sapatinhos vermelhos", da obra "Mulheres que correm com os lobos", de Clarissa Pinkola Éstes. A protagonista de 'sapatinhos vermelhos' é alvo da 'maldição da dança mortal'. Seus pés tem vontade própria aprisionados pelo 'desejo' dos sapatinhos. Na interpretação Jungiana dos fatos, feita por Clarissa, os sapatinhos são o signo do fogo, 'del hambre del alma' (fome da alma) por algo que faça a mulher se sentir viva. O vermelho é a cor da vida e do sacrifício. É a presença do conflito morte-vida, portanto é o corpo ponto inquieto que se recusa a calar ou morrer, ao mesmo tempo que os sapatinhos levam a morte, eles também se apresentam como único meio de encontrar a liberdade, que talvez seja a morte simbólica na busca de uma possível renovação.


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Cris Oliveira

Cris Oliveira tem formação no ballet clássico, dança contemporânea. É graduada em Artes Cênicas, pós-graduada em Gestão Cultural e possui formação na área de pesquisa e composição coreográfica pelo programa ‘Transforme – Perceptions’ (2009-2010) em estudos realizados na Fondation Royaumont - Paris. Foi integrante da Cia. de Dança Palácio das Artes (2001-2009), onde atuou em obras de vários coreógrafos e como criadora-intérprete a partir do método BPI (Bailarino-pesquisador-intérprete), criado por Graziela Rodrigues. Em 2005 recebeu o prêmio SIMPARC de melhor bailarina de Minas Gerais, por sua atuação em “Coreografia de Cordel”. Desde 2006 desenvolve trabalhos independentes e em parceria com outros profissionais, assumindo uma prática interdisciplinar no campo das artes, apresentando suas obras em diversas regiões do Brasil e no exterior.

Participou das residências Colaboratório (2010) no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro; “Interferencias” México (2010), ZAT 8 – ‘Hallucinatory body’, com Lynda Gaudreau, no Fid 2011 e Interferencias (2121) – Impulstanz Festival, Viena (Áustria).

Realizou curadoria parcial para o evento ‘1,2 na dança’– edição 2011, na indicação de solos de artistas internacionais. Publicou o artigo: Tecnologia da pele – arte, experimentação, interdisciplinaridade e a dança (Revista Prosa!-março/2012). É representante do projeto Interferências no Brasil para a Edição do encontro no país para 2013 e colaboradora do Interferencia’s book, apresentado no Impulstanz Viena (Áustria), Devir CAPA (Portugal) e Centro de las artes de San Luís Potosí (México).

Estudou com: Ana Mondini, Cizco Aznar (Suíça/Espanha), Holly Cavrell (EUA), Foofwa d’Imobilité (Studio 44, Genéve), Julie Bougard (menagèrie de verre – Paris), Damien Jalet ( La Rafinerie - Bruxelas), Krosro Adib (Irã/Bélgica), Jean Marie Huppert-Eutonia, Richard Shuterman (EUA) – método Feldenkrais,; Maria Thaís (máscara neutra); Fernando Liñares (Teatro Antropológico); Fernanda Lippi (Teatro Físico), Luiz Abreu (Dramaturgia e Direção); Dominique Brun (Esforço/forma em Laban); Claire Roussier (pensar o solo) e Myriam Gourfink(yôga). Atualmente programadora de dança no Sesc Palladium, Belo Horizonte/MG.

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